A decisão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) de aprovar o aumento da mistura de biodiesel ao óleo diesel comercializado no país pode causar impactos negativos de desempenho tanto para esse tipo de combustível quanto para os lubrificantes utilizados em motores do ciclo diesel. A afirmação é de Marcelo Guimarães, membro do Comitê Técnico da Associação Brasileira dos Fabricantes de Aditivos (ABRAFA). “Tem sido demonstrado que um aumento do componente renovável no biodiesel tende a acelerar a oxidação do lubrificante.

Adicionalmente, testes de campo demonstraram que a diluição por combustível tende a ocorrer a taxas mais elevadas em combustíveis com teores de biodiesel mais elevados, impondo mais desafios à estabilidade a oxidação”, avalia.

Desde 1º de setembro, o teor mínimo de biodiesel presente no óleo diesel no país subiu de 10% para 11%. Segundo a ANP, o acréscimo anual de biodiesel será de 1 ponto percentual até março de 2023, quando a taxa alcançará 15% (B15). De acordo com a agência, a medida era prevista desde outubro de 2018, segundo resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

Degradação do óleo

Para Guimarães, a oxidação do lubrificante pode criar “sérios problemas dentro do motor”, incluindo aumentos de viscosidade, acúmulo de borra e degradação do óleo. Tais condições podem reduzir o fluxo de óleo dentro do motor, “o que pode levar a consequências catastróficas, que devem ser evitadas”, alerta. Para o representante da ABRAFA, a medida da ANP acerta em cheio o desempenho dos óleos de motores a diesel, os chamados heavy duty (serviço pesado). “A frota de veículos pesados do país é ampla e diversificada. Embora as frotas mais recentes sejam protegidas por óleos de motor de alto desempenho recomendados pelos OEMs (Original Equipment Manufacturer, ou Fabricante Original do Equipamento), as frotas mais antigas dependem frequentemente de especificações que não foram desenvolvidas admitindo o uso de alto teor de biodiesel”, avalia.

O componente renovável utilizado em diversas dosagens no biodiesel do Brasil tem sido tradicionalmente proveniente da soja, um dos recursos naturais mais abundantes no país, enfatiza Guimarães. No entanto, diz ele, como a proporção de componentes renováveis em biocombustíveis aumenta a partir desse ano, componentes de matéria-prima adicionais serão introduzidos nas misturas de biodiesel para atender a esse objetivo. Estes materiais, de acordo com o especialista da ABRAFA, incluirão, por exemplo, gorduras animais e derivados do algodão.

“Esta diversificação é benéfica em termos gerais, permitindo que os biodieseis sejam misturados usando uma variedade de fontes em vez de depender completamente de uma única fonte. Ela também leva em consideração biomateriais das diversas regiões do país, reduzindo o custo de transporte do combustível”, analisa.

No entanto, frisa Guimarães, o aumento do teor do componente renovável, acrescido da diversidade de fontes desse componente, cria maior complexidade e desafios para o óleo do motor.
“Da perspectiva do usuário final, especialmente para os proprietários de veículos mais antigos, precisarão aceitar e migrar para óleos de motor de melhor desempenho”, prevê.

Frotas antigas serão afetadas

As instabilidades causadas a reboque da oxidação nos biocombustíveis tendem a afetar principalmente as frotas mais antigas, que utilizam as especificações API de menor desempenho (isto é, de nível mínimo) aceitas no país, ressalta o representante da ABRAFA. Segundo ele, nos últimos anos, as frotas mais antigas optaram por óleos do tipo “API CG-4”, produto que atende às necessidades da maior parte desses veículos. Guimarães estima que a adição de diferentes tipos de biodiesel no diesel aumentará o risco de oxidação dos lubrificantes usados por veículos dessa frota.

Com a substituição do API CG-4 pelo API CH-4 como o nível mínimo de desempenho permitido no Brasil, Guimarães salienta que houve uma melhora no nível de estabilidade de oxidação desse tipo de lubrificante, mesmo quando utilizado com biodiesel. Segundo ele, o nível de desempenho de oxidação exigido pela API CH-4 é maior do que o do API CG-4, demonstrado em testes de oxidação específicos, como o chamado “Sequência IIIF”. “O API CH-4 permite aumentos máximos de viscosidade relacionados a oxidação inferiores a 295%, comparado com o limite de 325% no API CG-4”, atenta.

No entanto, aponta o especialista, nem todas as formulações API CH-4 são iguais. Segundo ele, os óleos básicos do Grupo I que permanecem disponíveis no mercado, quando usados, comprometem a maior estabilidade à oxidação trazida pelos pacotes API CH-4. Esses óleos básicos do Grupo I são menos estáveis à oxidação do que os óleos básicos do Grupo II, que são ligeiramente mais caros, diz ele. Para Guimarães, há espaço para melhorias nas formulações dos produtos API CH-4, mas somente quando óleos básicos de maior qualidade são usados. “Este será um desafio crítico para veículos mais antigos que utilizam lubrificantes que atendem ao nível mínimo de desempenho permitido no País e dependem da qualidade desse produto”, frisa.

AUMENTO-TEOR-BIODIESEL_BOX
Veja aqui a decisão da diretoria da ANP que ratificou o aumento da mistura de biodiesel ao óleo diesel.

Veja também: